Capitulo 5 o ultimo... boa leitura a todos


Delírios de morte, anjos me chamando. Sofia, você me espera? Eu quero ir o mais rápido que eu conseguir. Na verdade eu já morri tantas vezes, espero que essa seja a ultima. Por favor,...


 


 


Há fatos na nossa vida, que nos marcam, como capítulos de um livro, como o clímax de uma história. Triste, é que muitas vezes, depois do clímax não damos com um final feliz.


Na nossa caminhada, a estrada é cheias de buracos e desvios, e imagino como seria o outro caminho em estradas que eu preferi não ir.


Mas na viagem da vida só podemos ver a paisagem da estrada que escolhemos seguir.


Agora são dez horas, (o tempo passou rápido, será que cochilei?), meu corpo esta dolorido, estou muito tempo sentado nessa cadeira. Lá embaixo, a rua esta sem muito movimento, pelas janelas dos prédios vizinhos vejo a luz fria da televisão em quase todos os apartamentos.


Levanto. Estou com frio, sede e um poço de fome e precisando de um banho urgente. Não sei porque me preocupo, afinal sei que a qualquer hora eu posso morrer, sinto a morte a minha volta, vejo vultos na escuridão. Suspiros a me perseguir. Mas ainda busco a resposta, não quero morrer antes de encontrar a resposta, espero que deus me permita isso.


Enquanto preparo a banheira, e asso uma pizza no forno, resolvo ler. Deito no sofá, e procuro a pagina que estou lendo. Estou na metade do livro.


É uma estória muito interessante, ficção sobre uma dimensão pós-morte onde os seres são mais desenvolvidos que os humanos. Muito criativa e cheia de lendas e fundamentos antigos, que criticam o ser humano e a sociedade. O livro é grande e ainda faltam duzentas paginas para chegar ao fim, sinto que não vou conseguir saber o final. Acho que não vou ter tempo.


        Acho que vou pular para o ultimo capitulo e saber como termina.


        Tolice, melhor não.


Na minha vida inteira, eu nunca fiz isso, pois sempre achei que nas estórias são os fatos que ocorrem entre o começo e o fim que são importantes, estou no meio. Ainda pode acontecer muita coisa e se eu ler o final não vou entender muita coisa e não vai ser interessante. Não adianta saber o final se você não viveu até ele.


        Vamos então aproveitar os últimos momentos.


 Pelo cheiro a pizza está pronta, decido come-la primeiro, e depois o banho.


Já era meia noite quando, confortável em uma calça moletom e uma blusa de lã, resolvi voltar a minha leitura, não importava mais resposta nenhuma, iria esperar a hora de ir, fazendo a única coisa que realmente amo nesse mundo, todo o resto esta em algum lugar depois da morte.


        Será que vai doer?


Acho que não tanto como nas outras vezes.


Quando os meus pais morreram, doeu tanto em mim. Era como se eu tivesse perdido, meus braços e pernas, não sabia para onde ir, nem o que fazer, no entanto, ajudei minha tia com todos as providencias, o velório o enterro, a dor foi tanta e tudo foi tão de repente que não chorei, não consegui. Senti-me tão mal por não conseguir chorar no enterro de meus pais, que a dor foi maior ainda. Não consegui dormir por meses pensando neles e somente mais no ano seguinte, durante uma noite consegui chorar a morte deles, chorei durante horas e adormeci com o rosto cheio de lagrimas.


No dia da morte da minha tia, a dor foi diferente, a impotência em não poder ajuda-la enquanto a ambulância não chegava, ela morreu nos meus braços, as lagrimas corriam e eu esperava a ambulância apertando a sua mão, da boca sai varias promessas vazias e que parecia certo de que nunca iria cumpri-las, a solidão logo depois foi ainda pior, e tudo na casa me lembrava ela, nos fins de semana era ainda pior, nada de Tim, de Djavan nada, queria apenas o silencio. Pensei em mudar, para não ser tão difícil, mas passei a ver as lembranças que a casa me traziam de outra forma, passei a gostar delas e resolvi ficar.


E quando eu pensei que meu sofrimento iria acabar, depois de “recuperado” das perdas da minha vida, quando re-aprendi a viver e a sonhar sem pudores no futuro e na possibilidade de ser feliz. A morte me visita novamente levando não só um, mas dois amores da minha


vida. Sofia. Juro que quase me matei, parecia que Deus brincava comigo, parecia que ele adorava minha dor, ele não me deixava ser feliz, sempre interferia. Dizem que Ele faz isso pare testar o ser humano, para ver se ele realmente merece o reino dos céus. Pensei em como um Deus deixa uma mulher de apenas vinte e sei anos e grávida, morrer. Perdi a fé. Parei de acreditar.


Inúmeras vezes eu fiquei de pé na mureta da minha sacada, pensado em pular, será que eu morreria? Afinal era só o terceiro andar. Sei apenas que nunca pulei, sempre desistia a verdade é que tinha medo de ir para o inferno e não ver minha amada no outro lado. Pensado agora percebo que nunca deixei realmente de acreditar em anos de ensinamento católico. Era apenas o ódio de momento.


Hoje sei, não foi deus que a levou de mim, afinal um bêbado bateu em meu carro em alta velocidade, foi um milagre eu ter sobrevivido. No entanto preferiria ter ido com ela.


Agora é a minha vez, quero ver minha amada, já morri tantas vezes, mesmo assim estou com medo.


— Vem me buscar meu amor?


Um ano depois da morte de Sofia, eu ainda estava de luto, mas a solidão e a frustração por nem ao menos conseguir acabar com minha própria vida me fizeram procurar por Claudia. Queria saber como a vida dela estava e quem sabe viver de novo, afinal acho que Sofia iria querer que eu vivesse novamente eu tinha apenas vente e nove anos, tinha esse dever.


Eu e Claudia perdemos definitivamente o contato depois de nossa separação, naquela noite, e logo depois da morte dos meus pais me mudei para casa da minha tia e nunca mais nos vimos.


Em um domingo de fevereiro, o sol forte o céu sem nuvens, voltei a meu bairro, iria até a casa dela, pensava em encontrar os pais, ou iria na casa vizinha onde moravam seus tios caso não obtivesse nenhuma noticia dela, tentaria outro modo de encontra-la.


Parecia que a sorte estava do meu lado, seus pais ainda moravam naquela casa.Clara (a mãe de Claudia) que me recebeu, com uma expressam de espanto.


Ela me disse que Claudia não morava mais ali, se casara e morava a algumas quadras de distancia, me deu o endereço, e me perguntou o que eu queria com a filha. Disse que queria apenas reencontrar a minha velha amiga. Eu já ia indo embora, um pouco decepcionado por saber que não teria muita chance de reconquistar Claudia.


Foi então que meu ex-sogro (que também se chamava Frederico) entrou na sala, me encarando, com ódio nos olhos:


        O que você quer aqui rapaz? Veio ver a conseqüência de seus atos, depois de tantos anos? Pensa que é assim? Saia daqui agora


        Calma Sr. Frederico, já estou indo, desculpe... Tentei argumentar.


        AGORA!


Vi que não tinha escolha, mas eu já tinha o endereço de Claudia e agora estava intrigado, o que eu fiz para merecer esse ódio de meu ex-sogro? Fui ve-la.


No caminho, fui tentado lembrar o motivo de nossa separação. Foi então que a imagem da nossa ultima briga veio a minha mente.


    Eu estava a caminho da casa de Claudia aquela noite, sem avisa-la, queria fazer-lhe uma surpresa, ao longe vi em seu portão dois vultos que pareciam conversar, era um homem e uma mulher. O homem tenta se aproximar. A mulher esquivava-se, apertei o passo, foi então que eu vi, os dois vultos se beijaram, ao me aproximar reconheci os dois.


 


Era ela e seu vizinho chamado Thiago, que há anos tentava rouba-la de mim, às vezes eu ouvia boatos de que ela estava me traindo, nunca acreditei, até aquele momento.


Separei os dois, e o espanto estava nas duas faces. Lagrimas escorriam da minha. Disse apenas para o Thiago sair, por bem ou teria briga e ele sairia na marra. Estava com ódio, mas incrivelmente controlado. Ela tentou se explicar dizendo que não era nada do que eu estava pensando, que ele a beijara a força, não me convencendo, descarreguei os xingamentos, e tão alto que ela se enfurecera e me deu um tapa, quase devolvi a agressão, me segurei. Virei as consta e fui embora, voltado somente nove anos depois. Ridículo, mas a vida é assim.


Apertei a campainha, a casa era bonita. Não sei explicar bem a expressão dela ao me ver, todos os sentimentos ao mesmo tempo, ela ficou paralisada, olhado-me pela janela da frente da casa. Eu via apenas sua cabeça. Ela ainda estava linda.


Um minuto depois, voltado à realidade ela abriu o portão e me convidou a entrar. Nos sentamos na sala de estar, ela estava vendo tv com uma criança de sete anos ou mais que julguei ser seu filho, e acertei. Ela me disse que seu marido estava jogando futebol com os amigos e finalmente me perguntou o que eu fazia ali.


Contei que estava com saudades, e que queria fazer as pazes com ela, queria a amizade dela outra vez, e perguntei como ela estava e o que fez durante esses anos.


Ela me disse que casou dois anos depois de terminarmos, e que tinha terminado a faculdade e era professora, e que teve um filho chamado Frederico, imaginei que em homenagem ao avô.


Eu contei toda a minha triste estória, e o silencio dominou o ambiente, coisa que não acontecia entre eu e ela no nosso tempo de namoro. Decidi então entrar no assunto do dia da nossa separação e pedi desculpas, ela parecia não se importar com aquele triste episódio, perguntei a ela o que seria da gente hoje, se nós não tivéssemos terminado. Depois de varia situações ridículas que imaginamos demos muitas risadas, e ela me ofereceu um café, brinquei um pouco com a meu chara na sala, percebi somente ali, que gostava de crianças.


Ela me chamou em direção a cozinha e só então vi a foto da família encima da estante, na foto estavam ela, seu filho e seu marido o Thiago. Pare que realmente eu tinha sido chifrado. No entanto não me importei. Era passado.


Na cozinha, o cheiro anunciava que o café estava pronto, moves brancos, fogão de seis bocas, potes de arroz, feijão, açúcar, sal, canecas e xícaras, pratos, toalhas de mesa e objetos com estampa de vaquinha, imãs na geladeira completavam o quadro de uma cozinha linda, que eu desejaria ter, e dar a ela. Se os tempos fossem outros. Parece que ela se saiu melhor que eu na vida. Essa era a maior diferença entre agente, ela sempre quis viver.


Perguntei a ela, sobre Thiago, e queria saber apenas quando eles começaram a namorar de verdade. Ela disse que somente depois de terminarmos é que ela começou a se envolver com ela, antes disso ocorrera entre eles apenas aquele beijo roubado. Acreditei não tinha motivos para duvidar. O acaso nos separou. Fui tolo.


Depois do café e de um bolo que ela me ofereceu, decidi me despedir, deixei com ela meu endereço e meu telefone, e peguei o dela, prometemos manter o contato. E ao me despedi do garoto senti como se o conhecesse.


Depois desse episódio encerrado na minha vida, falei com Claudia e seu filho poucas vezes.


No mais a minha vida era banalidade e rotina, minha nova paixão passou a ser a de escrever, fiz um livro, levei três anos para conclui-lo, nunca o publiquei, no entanto, nem me esforcei para isso.


Carro, trabalhos, horas sentado, monotonia, cansaço, comida de restaurante, trabalho, carro, engarrafamento, casa. E depois tudo de novo. Sempre igual.


Não tinha mais vontade de viver, apenas esperava o meu fim chegar. Lembro de uma noite em que eu estava cansado disso, resolvi sair e beber sem parar, acordei semanas depois no hospital parecia que eu tinha sido atropelado. E realmente eu tinha sido, e o que é pior por um ônibus, alem de ossos quebrados e feridas, parecia que a bebida não me levou apenas a um acidente, não me lembro de nada naquela noite inteira, nem para onde fui nem o que fiz.


Algum tempo atrás, eu soube que estava doente, um tumor maligno. Incrível mais minha vida é cheia de surpresas felizes. Sabendo da minha morte, reuni todos os meus amigos na minha festa de aniversario, nela estavam presentes, Claudia, Frederico, Thiago, e a irmã de Sofia, Flavia minha cunhada. Não foi uma festa de arromba, e os vizinhos não tiveram de reclamar do som. Como sempre


Incrível, mas somente naquela festa eu percebi o que todos já devem saber, Fred era meu filho, no entanto uma descoberta inútil, sem nenhum valor naquela altura. Nem acreditei como eu fui tão lerdo!


No fim da festa confirmei a minha duvida com Claudia, e decidimos que não era importante contar ao Fred e que ela não sentia raiva de mim.


Aquela noite eu fiz o meu testamento e o validei no dia seguinte. Deixaria algo para o meu filho afinal. A minha vida inútil de trabalho seria útil a alguém.


 


Essa minha gripe, esta me incomodando, eu deveria ter tomado a vacina, não importa. Agora ouço as vozes de anjos me chamando. Espero que não doa.


Calmo, suave, leve, silencioso, colorido, aromático, confortável, e espero que todos que amo estejam lá, nesse lugar que vou agora.


Gostaria de vela, antes de ir. Será que vou poder te ver?


Acho que mereço, afinal resisti a tudo e a todas as dores, mereço viver, mesmo que seja na morte.


A morte faz parte da vida, assim como eu faço parte de você Sofia.


 


 


Morrer. Para quem vai nada de mais, quem fica e o que você deixo é importante.

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